Se há uma palavra que encapsula a ansiedade dos adultos em relação à geração mais nova, essa palavra é “brain rot” (apodrecimento do cérebro). O termo, eleito a palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford, descreve a ideia de que a exposição constante a conteúdos online de baixa qualidade está a destruir a capacidade de atenção, o comportamento e a saúde mental das crianças nascidas entre 2010 e 2024 — a Geração Alfa.
Professores relatam que alunos do sétimo ano têm um desempenho ao nível do quarto ano. Pais partilham vídeos de filhos a ter colapsos violentos quando os seus iPads são confiscados. A conversa está repleta de uma gíria quase ininteligível que parece ter saído de um universo paralelo: “skibidi”, “Fanum tax”, “gyatt”. A narrativa é clara: estamos perante uma crise geracional, uma geração de “miúdos do iPad” com o cérebro “frito”.
Mas será esta a história completa? Ou estamos a assistir ao mais recente capítulo de um pânico moral que se repete há séculos, agora amplificado pelos algoritmos do TikTok?. Ao mergulhar nas fontes, emerge um quadro muito mais complexo e matizado.
O Lado do Alarme: Evidências do “Apodrecimento”
As preocupações não são infundadas e baseiam-se em observações e dados concretos. A Geração Alfa é a primeira a nascer num mundo totalmente digital. As estatísticas são impressionantes: 40% das crianças têm um tablet aos 2 anos, e quase dois terços das crianças entre os 8 e os 10 anos passam até quatro horas por dia nas redes sociais.
As consequências parecem ser visíveis:
Impacto Neurológico e Desenvolvimental: Pesquisas sugerem que tempo de ecrã excessivo pode alterar fisicamente o cérebro das crianças, enfraquecendo áreas ligadas à leitura, linguagem e tomada de decisões. Em 2023, um inquérito revelou que uma em cada cinco crianças estava atrasada no desenvolvimento da fala e da compreensão, o número mais alto alguma vez registado. Alguns pais relatam que, após cortarem programas hiperestimulantes como Cocomelon — cujas cenas mudam a cada 1 a 3 segundos — a fala dos seus filhos melhorou quase instantaneamente.
Comportamento e Saúde Mental: A agressividade associada à privação de dispositivos é um tema recorrente, com histórias de crianças a destruir a casa após lhes ser confiscado o telemóvel. Estudos associam o uso excessivo de redes sociais a TDAH, comportamento disruptivo e depressão. O fenómeno agrava-se com adolescentes a autodiagnosticarem-se com distúrbios mentais raros ou a desenvolverem tiques físicos após verem vídeos virais no TikTok.
Crise na Educação: Educadores descrevem uma “crise nas escolas americanas”. Relatam que os alunos têm uma capacidade de atenção tão baixa que não conseguem concentrar-se num vídeo de 3 minutos, não respeitam a autoridade e exibem uma apatia geral em relação à aprendizagem.
A Linguagem do “Brain Rot”: Um Dialeto Exclusivo
Grande parte do pânico centra-se na linguagem da Geração Alfa, descrita como “desequilibrada” e “ininteligível”. Termos como “skibidi” (da série do YouTube Skibidi Toilet), “rizz” (carisma), “Fanum tax” (roubar comida de um amigo) e “Ohio” (estranho ou cringe) dominam as suas conversas.
Esta gíria, que muitas vezes se origina em streams de jogos no Twitch e se espalha pelo TikTok, tem um propósito claro, segundo o linguista Adam Aleksic: “criar um grupo restrito que aliena as pessoas mais velhas”. A velocidade com que a linguagem evolui online torna quase impossível para os pais acompanharem. As crianças sabem que estão a confundir os pais — e essa é parte da piada. Quando os mais velhos tentam usar a sua gíria, “é um bocado embaraçoso”, diz Beryl, de 11 anos.
A Defesa: Pânico Moral e uma Geração Incompreendida
Apesar do alarme, é crucial colocar as coisas em perspetiva. Como um utilizador do Reddit resumiu de forma sucinta: “Os memes arruinaram a Geração Z, a internet arruinou os Millennials, os Game Boys arruinaram a Geração X, a TV e a música rock arruinaram os Boomers”. A crítica das gerações mais velhas à cultura dos mais novos não é um fenómeno novo. A principal diferença hoje é que plataformas como o TikTok tornaram a cultura juvenil visível e sujeita a comentários incessantes por parte dos adultos.
Do ponto de vista científico, não há provas concretas de que os ecrãs “apodreçam” literalmente o cérebro ou que a internet seja inerentemente má para a saúde mental dos jovens; a investigação é mista e o debate continua.
Além disso, a Geração Alfa é muito mais do que os estereótipos dos “miúdos do iPad”:
Eles Não São um Monólito: As próprias crianças fazem distinções. Fiona, uma rapariga de 11 anos, vê a sua geração como uma “escada”, onde os mais novos estão mais “cativos” da tecnologia. Ela e os seus amigos usam a gíria “brain rot” de forma irónica para se distanciarem dos estereótipos.
Uma Resposta ao Caos: A professora Jess Rauchberg sugere que os memes surreais e a cultura “brain rot” são, na verdade, uma resposta sofisticada para “dar sentido e encontrar algum humor no facto de se crescer em tempos bastante caóticos”, como a pandemia de COVID-19.
Para Além do Ecrã: Contrariamente à imagem de crianças passivas, 88% das crianças entre os 8 e os 12 anos têm um hobby, como desporto ou artesanato. A maioria (75%) é apaixonada por uma causa social e 84% sentem-se otimistas em relação ao futuro.
O Elefante na Sala: A Economia do “Brain Rot”
Uma peça fundamental do quebra-cabeças é o dinheiro. O “brain rot” não vai desaparecer porque é extremamente lucrativo. O estúdio por trás de Cocomelon foi vendido por 3 mil milhões de dólares. A série Skibidi Toilet pode gerar até 23 milhões de dólares por ano só no YouTube. As próprias plataformas de redes sociais ganham milhares de milhões com algoritmos concebidos para serem viciantes, comparados a jogar numa slot machine. O conteúdo que está a “apodrecer” os cérebros dos nossos filhos é um modelo de negócio multimilionário.
Conclusão: Para Além do Pânico
A narrativa do “brain rot” é sedutora porque oferece uma explicação simples para uma realidade complexa. Há preocupações válidas e dados que não devem ser ignorados, especialmente no que diz respeito à saúde mental e ao desenvolvimento infantil.
No entanto, declarar uma geração inteira como “arruinada” é inútil e contraproducente. A Geração Alfa são nativos de um mundo ao qual o resto de nós teve de se adaptar. Eles sentem-se incompreendidos. Em vez de pânico, talvez a resposta esteja em estabelecer limites saudáveis, como sugere o Plano de Média Familiar da Academia Americana de Pediatria, e em focarmo-nos em ajudar os adultos a criar ambientes positivos que promovam a aprendizagem socioemocional das crianças enquanto usam a tecnologia.
Eles são a geração do “skibidi”, sim, mas também são otimistas, criativos e socialmente conscientes. Com o apoio e a orientação adequados, eles irão navegar tanto nas vantagens como nas armadilhas do seu mundo digital e, sem dúvida, farão as suas próprias contribuições significativas.
Fontes:
Artigo da Vox: https://www.vox.com/life/369953/skibidi-tweens-gen-alpha-brainrot-ipad-kids
Artigo do NBC News: https://www.nbcnews.com/news/gen-alpha-kids-parents-brainrot-language-rcna162227
Pesquisa do The Annie E. Casey Foundation: https://www.aecf.org/blog/impact-of-social-media-on-gen-alpha