IOF e STF: A Batalha Pelo Aumento do Imposto e o Risco à Separação de Poderes no Brasil
Crise política: governo Lula apela ao STF para ressuscitar IOF. Entenda como a batalha fiscal desafia a separação de poderes e a democracia brasileira.
A arena política brasileira testemunha um novo capítulo de tensões entre os Poderes, desta vez centrado na tentativa do governo de ressuscitar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), após sua derrubada pelo Congresso Nacional. Mais do que uma simples disputa fiscal, o episódio lança holofotes sobre o crescente protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) nas decisões do Executivo e os riscos à separação de poderes no país.
O Aumento do IOF e a Reação Decisiva do Legislativo
O enredo começou sem suspense. Um decreto editado em 22 de maio visava engordar a alíquota do IOF, com a projeção da Receita Federal de arrecadar até R$ 12 bilhões adicionais em 2025. O objetivo era claro: reforçar o caixa do Tesouro para ajudar a fechar o rombo fiscal e garantir a sustentabilidade do recém-aprovado arcabouço fiscal.
No entanto, a manobra encontrou forte resistência no Congresso Nacional. Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado se posicionaram firmemente contra a medida, culminando na anulação do decreto. A decisão, que refletiu a vontade de 383 deputados, foi um claro recado do Legislativo contra a criação ou elevação de impostos via decreto, sem o devido processo legislativo.
O STF Como Árbitro: Um Precedente Perigoso?
Diante da derrota no plenário, o governo Lula-Haddad, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), optou por um caminho controverso: protocolou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) junto ao Supremo Tribunal Federal. O objetivo é que a Corte, na prática, anule a decisão do Congresso e ressuscite a cobrança do IOF.
Essa estratégia expõe um vício cada vez mais presente na política brasileira: a crescente dependência do Executivo em relação a decisões judiciais do STF. Para muitos analistas e juristas, essa prática transforma o Judiciário no verdadeiro "ditador das regras do jogo", enquanto o Congresso vira "plateia" e o Executivo apenas "assina embaixo". Sem votos nem cofre, parece que a "caneta de Alexandre de Moraes" se tornou o último recurso.
Constituição em Xeque: O Artigo 49, Inciso V e a Usurpação de Poder
A decisão do Congresso de sustar o decreto do IOF baseia-se em uma prerrogativa constitucional explícita. O artigo 49, inciso V, da Constituição Federal confere ao Legislativo a competência para "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa". Criar ou elevar um imposto arrecadatório sem uma lei aprovada pelo Congresso é, segundo juristas de diversas correntes, uma clara usurpação de poder.
A acusação de "inconstitucionalidade" feita pelo governo à decisão do Congresso soa contraditória, especialmente vindo de um presidente que, em 2022, discursava sobre a importância do freio de contrapesos e da democracia. Ignorar essa prerrogativa constitucional do Legislativo fragiliza as instituições e o pacto federativo.
Impacto Político e as Consequências para a Governança
O "atalho judiciário" para resolver problemas de arrecadação cobra juros altos no cenário político. A dependência do governo em relação a "julgamentos salvadores" do STF é inversamente proporcional à sua aprovação popular. Pesquisas como a Datafolha de junho, que mostram Lula estacionado em 28% de aprovação e batendo 40% de reprovação (seu pior patamar desde fevereiro), reforçam essa aritmética de poder: menor capital popular, maior a necessidade de "liminares" do STF.
A irritação do Congresso é palpável. Já se cogita deixar caducar a Medida Provisória 1303, que renderia mais de R$ 10 bilhões ao mesmo caixa vazio, e ensaiar a devolução de medidas provisórias em bloco. Atualmente, apenas 15% das MPs desta legislatura viraram lei; essa taxa pode despencar se o Planalto insistir em "governar por liminar", levando a uma paralisia econômica, incerteza tributária e descrédito institucional.
A Democracia em Jogo: O Prejuízo ao Contribuinte e à Representatividade
A confusão entre a decisão de um ministro e o mandato popular eleito é um perigo à democracia representativa. Se o STF carimbar esse aumento de imposto, confirmará a tese de que a Corte virou uma muleta para um Executivo sem articulação política, sem coalizão e sem rumo. Se negar, exporá a fragilidade de um governo que trocou a negociação pela litigância judicial.
Em qualquer cenário, o grande prejuízo recai sobre o contribuinte brasileiro, que arcará com mais uma carga tributária, e sobre a própria democracia, que só respira de forma saudável quando quem ganha no voto aceita perder – e vice-versa –, respeitando os limites e as prerrogativas de cada poder. A batalha do IOF é, portanto, muito mais do que um imposto; é um teste crucial para a saúde institucional do Brasil.